Assim não. Prende a linha levemente com o indicador direito e solta só quando deres o impulso para a frente – dizia-me aquele pai ausente e distante pela quarta vez. Mas eu, sempre que fazia um lançamento, via com um tédio infinito a chumbada a cair novamente a pouca distância, e só queria ir embora. Não sabia, nunca soube, que prazer se podia tirar de passar horas, por vezes ao frio da noite, sentado numa rocha ou no areal, em frente ao mar a olhar para uma linha na esperança de que o peixe mordesse. E caso mordesse? E depois, que tinha isso de especial? Era muito mais rápido e simples comprá-lo no mercado. E certamente menos fastidioso.
Eu só queria sair dali. Não achava mesmo piada nenhuma àquilo. Chegava sempre cansado a casa, todo sujo e com um terrível cheiro a peixe e isco nas pontas dos dedos. Mas ele não me deixava desistir, e se não quisesse participar ao menos tinha de ficar a ver e a aprender. Era realmente a sua grande paixão, o mar e as pescarias de fim-de-semana, a única verdadeira altura em que estávamos juntos: eu, ele e a sua loucura.
Hoje é um outro tempo e aquele tempo não é mais do que um lugar distante no planisfério da memória, cujas coordenadas se perderam na mudança de um tempo para o outro. É assim que eu o vejo.
Hoje sim, sento-me num qualquer paredão de um qualquer lugar distante com a mão direita numa cana e o olhar fixo nas águas, e imagino que amo o mar e o vento e que te amo a ti e às impressões digitais que deixaste espalhadas por toda aquela minha infância longínqua.
Nunca estiveste presente nas fases mais decisivas da minha tão complicada vida. E acho mesmo que te odiei por isso. Hoje já é diferente. É o tal outro tempo, que se distanciou do teu de uma forma facilmente explicável pelos ponteiros do relógio. Não compreendo, mas já aceitei o que havia para aceitar, e agora penso mesmo que amo no mar, no vento e nas pescarias intermináveis o que de ti há neles para que eu ame. Porque te sinto a ausência definitiva nesses lugares. Mas aprendi. Ficarias hoje admirado ao ver a distância dos meus lançamentos: são tão fortes que é como se ficasse parado no meu tempo actual vendo a chumbada a atravessar a cortina dos anos para ir afundar-se nas tuas águas, lá no teu tempo, no lugar onde ficaste definitiva e irremediavelmente parado com os teus cabelos grisalhos a olhar o mar no sítio onde esperavas que o tão desejado peixe mordesse.
(texto: Coimbra, Portugal, 1 de Julho de 1998; fotografia: Porto, Portugal, Novembro de 2005)
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Tuesday, March 21, 2006
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