Sunday, July 08, 2007

1976

Agora tudo é mais fácil. Os dias vão-se sucedendo aos dias e a decisão tomada acaba por decidir por mim as rotinas e os hábitos diários. Agora é só deixar-me levar e cumprir o desejo de outrora como um homem, mordendo os lábios em silêncio para não deixar transparecer a angústia e o medo, não esquecendo de guardar na bagagem a rede encantada de capturar os sonhos nas planícies...

Tinham-me dito, naquele tempo, que haviam anjos em Kinshasa, e eu na tenra juventude acreditei e não cuidei de olhar para o caminho já feito e de notar que eles tinham ficado lá atrás, longe já, agitando as suas pétalas de desespero no lado de lá da fronteira vermelha e negra. Espectros esfarrapados e em desespero lançando na poeira daquele chão martirizado as últimas lágrimas do adeus. Não era em Kinshasa que estavam, não! Os anjos estavam longe dali. Ali quem estavam eram homens fardados que para nos protegerem de nós mesmos nos arrancaram a todos as asas e nos disseram que doravante a nossa vida seria assim e assim…

(Fotografia: Porto, Fevereiro de 2007 / Texto: Coimbra, Portugal, 8 de Julho de 2007)

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4 comments:

Anonymous said...

Gostei, claro que gostei...
Como poderia não gostar?

sal

Anonymous said...

se calhar os anjos estão em todo o lado é preciso é acordá-los.

Pimenta

Celso Rosa said...

Lembras-te de os ter procurado no Père Lachaise em Paris e de te ter dito que tinha encontrado muito mais em Roma? Se calhar ando a usar as lentes erradas para os fotografar... eh eh

Abílio Neto said...

Celso,

Estou interessado em ir ver o filme.

Horas? E onde?

Abraços,

Abílio Neto