
Eu só queria sair dali. Não achava mesmo piada nenhuma àquilo. Chegava sempre cansado a casa, todo sujo e com um terrível cheiro a peixe e isco nas pontas dos dedos. Mas ele não me deixava desistir, e se não quisesse participar ao menos tinha de ficar a ver e a aprender. Era realmente a sua grande paixão, o mar e as pescarias de fim-de-semana, a única verdadeira altura em que estávamos juntos: eu, ele e a sua loucura.
Hoje é um outro tempo e aquele tempo não é mais do que um lugar distante no planisfério da memória, cujas coordenadas se perderam na mudança de um tempo para o outro. É assim que eu o vejo.
Hoje sim, sento-me num qualquer paredão de um qualquer lugar distante com a mão direita numa cana e o olhar fixo nas águas, e imagino que amo o mar e o vento e que te amo a ti e às impressões digitais que deixaste espalhadas por toda aquela minha infância longínqua.
Nunca estiveste presente nas fases mais decisivas da minha tão complicada vida. E acho mesmo que te odiei por isso. Hoje já é diferente. É o tal outro tempo, que se distanciou do teu de uma forma facilmente explicável pelos ponteiros do relógio. Não compreendo, mas já aceitei o que havia para aceitar, e agora penso mesmo que amo no mar, no vento e nas pescarias intermináveis o que de ti há neles para que eu ame. Porque te sinto a ausência definitiva nesses lugares. Mas aprendi. Ficarias hoje admirado ao ver a distância dos meus lançamentos: são tão fortes que é como se ficasse parado no meu tempo actual vendo a chumbada a atravessar a cortina dos anos para ir afundar-se nas tuas águas, lá no teu tempo, no lugar onde ficaste definitiva e irremediavelmente parado com os teus cabelos grisalhos a olhar o mar no sítio onde esperavas que o tão desejado peixe mordesse.
(texto: Coimbra, Portugal, 1 de Julho de 1998; fotografia: Porto, Portugal, Novembro de 2005)
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