
As luzes fortes estavam apontadas para nós, e centenas de pessoas olhavam-nos com a respiração suspensa à espera do momento final. Subitamente milhares de papeis coloridos soltaram-se do céu e choveram sobre nós, tambores fazendo-se ouvir, e a massa humana começou a gritar à medida em que erguias na mão direita um justo e reluzente punhal prateado. Ouviam-se palmas de toda a assistência e os cavalos, inquietos, erguiam-se sobre as patas traseiras. Nas jaulas os leões rugiam e moviam-se inconstantes junto às grades, de um lado para o outro. A chuva colorida cobria tudo isto por completo dando à arena um ambiente de festa geral. Palhaços giravam à nossa volta, lá em baixo, na terra, com sapatos enormes e narizes encarnados. E no meio de tudo isto, no exacto eixo da festa, o teu punhal de noite e lua desceu rápido na minha direcção.
Aí, nesse preciso instante, a multidão desapareceu e subitamente estávamos sós, no silêncio, sem luzes, sem confetti coloridos, sem festa... Só tu e eu. O tempo como que passou a existir de uma outra forma para ti e para mim. Vi ainda as jaulas abrirem-se e as feras saírem mansas para a arena, sem pressas, tudo terminado, já sem medo no olhar. Os cavalos acalmaram e olhavam para nós, à espera. E essa tua mão descia ainda na minha direcção, em câmara lenta, dando-me todo o tempo para sentir o teu cheiro a sândalo, para imaginar o teu sabor a montanhas e a neve, para me lembrar de tudo o que haviamos dito ao ouvido um do outro. E vi mais, vi os teus olhos grandes e escuros sorrirem para mim, e sorri-te de volta num gesto extremo de máxima paixão, de urgente súplica, com o brilho da faca já rente ao rosto que te fitava.
Nasceram então flores brancas e amarelas na arena no instante em que o teu punhal de lua cumpriu o gesto do teu braço e cortou finalmente, de um só golpe brutal, a corda que me retia prisioneiro do Inverno. Libertaste-me finalmente para ti e para a Primavera que me trazias numa cesta decorada de margaridas. As luzes acenderam-se todas de seguida, no momento em que nos prendíamos num beijo tantas vezes imaginado, e a multidão, reaparecida do vazio, aplaudia-nos agora de pé enquanto nós, de mãos dadas, agradecíamos com vénias e sorrisos.
Depois disto tu e eu, exaustos, finalmente adormecemos na nossa cama desarrumada de lençóis azuis escuros para descansar depois de amor tão intenso, em busca de nova matéria de sonhos. Antes deitei ainda a minha mão ao chão para apanhar o meu travesseiro que tinha caído e desliguei o candeeiro pequeno, afastando na altura o desejo que sentia de fumar um cigarro lá fora, a olhar as estrelas de Março. E baixinho sussurrei: "Como te amo!"
(Fotografia: Paris, Dezembro de 2006 / Texto: Coimbra, 10 de Março de 2007)
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4 comments:
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j ai juste envie de te dire...
COMME JE T.AIME..
Et moi, j'ai toujours l'envie de l'entendre...
Muito bom, tal como todos os outros textos que tenho lido...
Um beijo
Não deixes de sonhar, amigo. As tuas palavras são de uma magia preciosa.
Um beijo enorme e saudades...
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