Friday, December 14, 2007

Na tua ausência


Este sol tépido de Inverno aquece-me o rosto e arregaço as mangas da camisa para que ele acaricie também este braço com que te escrevo e o outro, que segura um pequeno bloco que comprei com a única intenção de nele escrever para ti neste dia.

Ontem ficou lá atrás, e apesar de ficar para sempre povoado de instantes de angústia e sofrimento ficará também como o dia no qual soube de que se trata quando se fala num beijo. Quando levei a mão ao puxador da porta do carro e me impediste de sair, e me puxaste para ti, senti a corda que sempre trouxe apertar-se em torno do pescoço. E tive medo. Mas fui, e quando os meus lábios tocaram os teus simplesmente parei de pensar. Tinha pensado e dito já tudo o que podia pensar ou dizer. Senti uma mão monstruosa revolvendo-me e rasgando-me o estômago, e a delicadeza dos teus lábios, a suavidade com que sofregamente procuraste os meus e os negaste ao mesmo tempo, a sensualidade quente com que os abriste aos primeiros sinais do meu beijo. E eu deixei as minhas mãos ao abandono sobre o teu cabelo sem fazer a menor ideia de como depois te acenar um adeus. E fui.

Passei depois horas tocando de leve nos meus lábios, procurando de novo a sensação daquele beijo, o seu gosto, e fechei os olhos para o reviver vezes sem fim até lhe arrancar todo o significado e o deixar vazio de todas as coisas.

E hoje, espanto! O dia acordou radioso! Um lindo sol de Inverno invadiu-me o quarto e banhou-me de calor mal as janelas foram abertas. E agora aqui estou, escrevendo-te no local onde me encontraste, onde sabes que sempre estarei mesmo quando estiver distante, sentindo o que sobra do calor deste sol até ao fim de mais um dia. Mas apesar do maravilhoso de tudo o que me circunda e do milagre de todas as coisas que existem à minha volta, nada preencherá nunca mais a tua ausência.

(Fotografia: Porto, Portugal, Setembro de 2007 / Texto: Porto, Portugal, 14 de Dezembro de 2007)

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1 comment:

Anonymous said...

"...Sabes, às vezes sinto-me uma laranja triste. É quando não estás. Ou quando, estando, te vejo passar, esvoaçando indiferente, coberta da poeira dos outros, pelos mil gomos da minha solidão redonda." Escrevi, vai para, sei lá, para a Isabel. Devemos escrever sempre para alguém, não É? Escrevendo, escrevemos, reescrevemo-nos e reinventamo-nos em todos os fugazes instantes antes de. Continua a escrever, bem!! Um abraço do Aires.