Lembro o teu sorriso na chuva miudinha de Março, nesta que hoje cai sobre este mundo daqui e que na minha pele quente se confunde com gotas de suor. Queria-te no meu hemisfério, neste lado do mundo que é o meu, mas não estás. Então imagino-te e sento-me no cais com as pernas balançando no vazio sobre as águas calmas e cheias de vida, sorrindo um sorriso de saudade imensa. Uma brisa ocorre visitar-me de vez em quando, trazendo um aroma que imagino que seja o do teu corpo…
Este sou eu para ti, tentando ser maior que o mundo, e com um gesto das mãos recompondo a posição das estrelas no espaço – que pretensão! Olho quem passa, tentando adivinhar-lhes os percursos, como num exercício sábio de me afastar de mim, de me deixar partir deste cais para outro qualquer lugar onde nunca estive, para o tal outro hemisfério de que já ouvi falar tanto mas que desconheço. Amo tanto este lugar que quero partir daqui para não mais regressar.
Hoje apetecia-me conhecer-me, saber como sou por dentro, dissecar-me sob a luz forte de uma mesa de observações, mas isso foi algo que nunca me foi permitido. Desejo uma biopsia das minhas emoções com consequente relatório e indicações terapêuticas.
Canto uma cantiga antiga de embalar, baixinho, tão baixo que nem me dou conta de a murmurar. Aprendi-a do meu pai quando criança e ao lembrá-la sou criança uma vez mais, e sonho, e inclino-me para trás e deito-me assim no cais, com as mãos por trás da cabeça e com a chuva caindo-me directamente na face, nos olhos, ensopando o meu corpo e as roupas que o cobrem, um corpo esquecido que já não me pertence mais. Olho o céu cinzento e a chuva que cai, deitado no calor do amanhecer, com o sorriso que me vai acompanhar desde hoje até ao fim da minha vida. E tudo isto para quê? Não sei bem. Não estou certo do que digo nem sequer se tenho alguma coisa para dizer, mas nunca aprendi a partir, nem os trâmites e legalidades das despedidas, e por isso penso em ti, assim aqui deitado à chuva, para que ninguém que possa por aqui aparecer note que são lágrimas que me escorrem pelo rosto.
Está feito! Tudo o que tenho não quero, tudo o que sou não me pertence mais, e se rio ou se choro é apenas porque sou livre para o fazer! Tudo isto foi escrito numa mensagem que lançei numa garrafa ao mar, para que talvez ela possa encontrar o caminho de casa e dar notícias de que me encontro bem. Sabes, tudo não passa de chuva, e essa não ficará para sempre.
(Fotografia: Luanda – Angola, Fevereiro de 2007 / Texto: Coimbra, 30 de Março de 2007)
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Friday, March 30, 2007
Wednesday, March 21, 2007
O homem que amou
Era uma vez um homem! Esse homem, jovem, era muito feio, disforme, com um rosto saído directo de macumba, e nem os seus pais o amaram. Tinha perdido perna esquerda numa mina, e para falar sério os seus pais não foram pais de verdade… lhe fizeram só! No entanto, era possuidor de um enorme coração, esse jovem, pastor de ofício, e capaz de criar sistemas complexos como universos no que tocava a sentimentos e casaliçes. Havia noites que dormia lá fora, olhando estrelas quando as havia, e tentando imaginar como seria um beijo beijado de verdade.
Foram anos passados assim, na mais absoluta ausência de contactos, na mais desértica e gelada rede afectos. Era insuportável! Se Deus tinha lhe criado assim, perguntava-se, porque lhe dera ele emoções, sentimentos? Como era então? Lhe ensinaram a amá-lo na catequese dos padres da missão, mas o que aprendeu foi a odiá-lo com todas as suas forças. Dava tudo para que a sua vida não tivesse de ser assim! Vida assim não valia mesmo...
Uma noite sem estrelas, quente mas tão escura que nem se atreveu a sair para fora, o Diabo procurou-o na sua pobre cubata e, passado o choque inicial e engasgo do pastor, lhe fez a seguinte proposta: “Dou-te o que desejas! Vou-te reinventar de tal forma que vais poder sentir um beijo e tudo o mais que todos os outros sentem. Apenas uma coisa não poderás nunca dizer a ninguém, e isso é que amas! Dizê-lo está-te proibido, vedado, nunca esqueças! Se o disseres perdes-te para sempre no mais desértico deserto onde nunca levarias tuas cabras a pastar! Amanhã volto para ouvir a tua decisão”. E, como tinha aparecido, assim desapareceu no cheiro do lume ainda aceso.
Dia seguinte, exactamente na mesma hora, regressa o Diabo na cubata solteira em busca da decisão de verdade. E a decisão foi que sim, que aceitava. Logo no dia seguinte ao despertar estava cumprido o desígnio, zás! Não mais era coxo, primeiramente, e ao passar em frente ao espelho de latão polido ali estava ele, sem defeito, um príncipe pronto a arrebatar qualquer coração. Um príncipe pastor!
Saiu lá fora sem saber ao certo o que fazer de seguida, mas tamanha era a sua beleza que não passou despercebido no mulherio, e logo na tarde desse mesmo dia, entre ervas altas do capinzal, a promessa foi cumprida! Um beijo foi finalmente dado e recebido, panos tirados à pressa, a carne rasgada na volúpia e no prazer. Aves gritaram na distância, estava selado!
Assim continuou o príncipe pastor ao longo dos dias, dos meses, saltando de lábios em lábios, de corpos em corpos, de leitos de rio em capinzais, até que um dia veio! E esse dia aconteceu parar as suas conquistas, e quem fez tal milagre foi uma jovem de cabelos curtos e estragados, olhos negros fundos, dona de um rosto onde eram visíveis maus-tratos do tempo, da vida e dos trabalhos nas lavras de mandioca exposta aos elementos. Mas o seu coração, ah, esse era de rainha, e os seus lábios de marufo! Prendia mesmo no seu jeito de prender! Seus braços perdiam reacção, seu corpo perdia força de fugir... Assim se apaixonou o pastor!
Encontraram-se em breve na carne de ambos, e nesse enlace nem se deu pelo tempo passar, pelos meses volvidos, as estações, até um dia… E nesse dia tudo o que aconteceu foi estarem de verdade apaixonados um pelo outro, e ele com ela querer casar e fazer filhos. Mas, não sem razão ou propósito, ela pergunta-lhe: Tu amas-me de verdade?
E pronto, e agora é que estava! Que fazer da lembrança já quase esquecida do que poderia não ter sido real mas que realmente aconteceu? Lá veio o cheiro a cinza de fogueira, os gritos dos pássaros... Que fazer do pacto? Como agir? Como recuperar a pureza? Veja-se, se dissesse que a amava perdia-se para sempre, perdendo-a em simultâneo, ela que era o mais precioso da sua pobre vida! Se lhe dissesse que não ou nada lhe respondesse estava a afastá-la por outros caminhos, para outro longe diferente, sentia-o. Que fazer então? Mergulhar nas águas dos espíritos? Tentar os antepassados? Nada! Que fazer então?
Pois eu que aqui vos conto esta estória nunca soube o que aconteceu, o que ele lhe respondeu. Verdade! Já quem me contou estes factos aqui narrados também não soube contar o final, nessa forma que este povo tem de esquecer os maus momentos. Mas isso também pouco importa, pois quando se perde alguma coisa pouco importam então as razões de se ter perdido. Foi só! O resto apenas abre mais a ferida que dói e, neste caso contado aqui, nunca nada esteve ganho, pois fora construído sobre ilusões e falsas esperanças. Mas pode algum criticar? Podes? Mas pensar que tudo isto aconteceu na minha Angola, logo ali numa pequena aldeia lambida de mar, onde nunca nada acontece, aperta este meu velho velho coração!
(Fotografia: Morro da Cruz, Luanda – Angola, Fevereiro de 2007 / Texto: Coimbra – Portugal, 21 de Março de 2007)
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Foram anos passados assim, na mais absoluta ausência de contactos, na mais desértica e gelada rede afectos. Era insuportável! Se Deus tinha lhe criado assim, perguntava-se, porque lhe dera ele emoções, sentimentos? Como era então? Lhe ensinaram a amá-lo na catequese dos padres da missão, mas o que aprendeu foi a odiá-lo com todas as suas forças. Dava tudo para que a sua vida não tivesse de ser assim! Vida assim não valia mesmo...
Uma noite sem estrelas, quente mas tão escura que nem se atreveu a sair para fora, o Diabo procurou-o na sua pobre cubata e, passado o choque inicial e engasgo do pastor, lhe fez a seguinte proposta: “Dou-te o que desejas! Vou-te reinventar de tal forma que vais poder sentir um beijo e tudo o mais que todos os outros sentem. Apenas uma coisa não poderás nunca dizer a ninguém, e isso é que amas! Dizê-lo está-te proibido, vedado, nunca esqueças! Se o disseres perdes-te para sempre no mais desértico deserto onde nunca levarias tuas cabras a pastar! Amanhã volto para ouvir a tua decisão”. E, como tinha aparecido, assim desapareceu no cheiro do lume ainda aceso.
Dia seguinte, exactamente na mesma hora, regressa o Diabo na cubata solteira em busca da decisão de verdade. E a decisão foi que sim, que aceitava. Logo no dia seguinte ao despertar estava cumprido o desígnio, zás! Não mais era coxo, primeiramente, e ao passar em frente ao espelho de latão polido ali estava ele, sem defeito, um príncipe pronto a arrebatar qualquer coração. Um príncipe pastor!
Saiu lá fora sem saber ao certo o que fazer de seguida, mas tamanha era a sua beleza que não passou despercebido no mulherio, e logo na tarde desse mesmo dia, entre ervas altas do capinzal, a promessa foi cumprida! Um beijo foi finalmente dado e recebido, panos tirados à pressa, a carne rasgada na volúpia e no prazer. Aves gritaram na distância, estava selado!
Assim continuou o príncipe pastor ao longo dos dias, dos meses, saltando de lábios em lábios, de corpos em corpos, de leitos de rio em capinzais, até que um dia veio! E esse dia aconteceu parar as suas conquistas, e quem fez tal milagre foi uma jovem de cabelos curtos e estragados, olhos negros fundos, dona de um rosto onde eram visíveis maus-tratos do tempo, da vida e dos trabalhos nas lavras de mandioca exposta aos elementos. Mas o seu coração, ah, esse era de rainha, e os seus lábios de marufo! Prendia mesmo no seu jeito de prender! Seus braços perdiam reacção, seu corpo perdia força de fugir... Assim se apaixonou o pastor!
Encontraram-se em breve na carne de ambos, e nesse enlace nem se deu pelo tempo passar, pelos meses volvidos, as estações, até um dia… E nesse dia tudo o que aconteceu foi estarem de verdade apaixonados um pelo outro, e ele com ela querer casar e fazer filhos. Mas, não sem razão ou propósito, ela pergunta-lhe: Tu amas-me de verdade?
E pronto, e agora é que estava! Que fazer da lembrança já quase esquecida do que poderia não ter sido real mas que realmente aconteceu? Lá veio o cheiro a cinza de fogueira, os gritos dos pássaros... Que fazer do pacto? Como agir? Como recuperar a pureza? Veja-se, se dissesse que a amava perdia-se para sempre, perdendo-a em simultâneo, ela que era o mais precioso da sua pobre vida! Se lhe dissesse que não ou nada lhe respondesse estava a afastá-la por outros caminhos, para outro longe diferente, sentia-o. Que fazer então? Mergulhar nas águas dos espíritos? Tentar os antepassados? Nada! Que fazer então?
Pois eu que aqui vos conto esta estória nunca soube o que aconteceu, o que ele lhe respondeu. Verdade! Já quem me contou estes factos aqui narrados também não soube contar o final, nessa forma que este povo tem de esquecer os maus momentos. Mas isso também pouco importa, pois quando se perde alguma coisa pouco importam então as razões de se ter perdido. Foi só! O resto apenas abre mais a ferida que dói e, neste caso contado aqui, nunca nada esteve ganho, pois fora construído sobre ilusões e falsas esperanças. Mas pode algum criticar? Podes? Mas pensar que tudo isto aconteceu na minha Angola, logo ali numa pequena aldeia lambida de mar, onde nunca nada acontece, aperta este meu velho velho coração!
(Fotografia: Morro da Cruz, Luanda – Angola, Fevereiro de 2007 / Texto: Coimbra – Portugal, 21 de Março de 2007)
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Friday, March 16, 2007
Cœur trouvé
Je pense à toi à tous mes voyages, mon cœur, et à tous les voyages que nous ferons ensemble. Tu me manques nécessairement en tous les aspects de ma vie, de mon quotidien, et après t’avoir connu je n’existe que pour toi et pour te faire sourire. Quand tu n’est pas là je t’invente à chaque instant chez moi. Et à chaque instant j’écoute ta voix douce et j’imagine le parfum que ton corps exhale ! Tu es mon nord, mon océan placide et chaud. Il n’a pas des mots pour te dire ce que je veux…
Dans les lieux les plus absurdes et impossibles, nuit et jour, mon chemin ne se fera pas seul ! Je te promets que pour toute ma vie, en toutes mes voyages, je ne cesserait jamais de regarder les étoiles et chercher dans la nuit la lumière que m’indiquerait un chemin sûr pour ma maison et pour ta peau ! Mon retour vers tes bras se fera toujours parce que mon cœur n’est pas perdu non plus ! Il repose doucement dans tes mains.
(Photographie : Sangano, Bengo – Angola, 13 de Février de 2007 / Texte : Coimbra – Portugal, 16 de Mars de 2007)
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Dans les lieux les plus absurdes et impossibles, nuit et jour, mon chemin ne se fera pas seul ! Je te promets que pour toute ma vie, en toutes mes voyages, je ne cesserait jamais de regarder les étoiles et chercher dans la nuit la lumière que m’indiquerait un chemin sûr pour ma maison et pour ta peau ! Mon retour vers tes bras se fera toujours parce que mon cœur n’est pas perdu non plus ! Il repose doucement dans tes mains.
(Photographie : Sangano, Bengo – Angola, 13 de Février de 2007 / Texte : Coimbra – Portugal, 16 de Mars de 2007)
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Monday, March 12, 2007
Matéria de Sonhos
Enquanto dançavas viraste-te! Toquei de leve, apressadamente, com a ponta dos meus dedos nos teus lábios e aproximei o meu rosto do teu. Estremeceste, imediatamente os teus lábios me procurando numa sofreguidão de anos e se unindo aos meus no que se poderia reconhecer como um beijo mas que estava muito para além dessa palavra escrita ou dita. Cravaste as tuas unhas nos meus ombros, rasgaste-me o peito vazio e o universo entrou e ficou ali suspenso, espantado e tonto, tentando reconhecer os contornos e as sombras que a proximidade do teu corpo fazia no meu, coberto por um fato azul de estrelas! O meu corpo estava suspenso de uma corda elástica de um tecto de nuvens e, virado para cima, a minha cabeça pendia solta para trás, uma mão tua segurando-a na nuca para que não se perdesse para sempre e um sorriso presente nos meus olhos que fitavam os teus com paixão.
As luzes fortes estavam apontadas para nós, e centenas de pessoas olhavam-nos com a respiração suspensa à espera do momento final. Subitamente milhares de papeis coloridos soltaram-se do céu e choveram sobre nós, tambores fazendo-se ouvir, e a massa humana começou a gritar à medida em que erguias na mão direita um justo e reluzente punhal prateado. Ouviam-se palmas de toda a assistência e os cavalos, inquietos, erguiam-se sobre as patas traseiras. Nas jaulas os leões rugiam e moviam-se inconstantes junto às grades, de um lado para o outro. A chuva colorida cobria tudo isto por completo dando à arena um ambiente de festa geral. Palhaços giravam à nossa volta, lá em baixo, na terra, com sapatos enormes e narizes encarnados. E no meio de tudo isto, no exacto eixo da festa, o teu punhal de noite e lua desceu rápido na minha direcção.
Aí, nesse preciso instante, a multidão desapareceu e subitamente estávamos sós, no silêncio, sem luzes, sem confetti coloridos, sem festa... Só tu e eu. O tempo como que passou a existir de uma outra forma para ti e para mim. Vi ainda as jaulas abrirem-se e as feras saírem mansas para a arena, sem pressas, tudo terminado, já sem medo no olhar. Os cavalos acalmaram e olhavam para nós, à espera. E essa tua mão descia ainda na minha direcção, em câmara lenta, dando-me todo o tempo para sentir o teu cheiro a sândalo, para imaginar o teu sabor a montanhas e a neve, para me lembrar de tudo o que haviamos dito ao ouvido um do outro. E vi mais, vi os teus olhos grandes e escuros sorrirem para mim, e sorri-te de volta num gesto extremo de máxima paixão, de urgente súplica, com o brilho da faca já rente ao rosto que te fitava.
Nasceram então flores brancas e amarelas na arena no instante em que o teu punhal de lua cumpriu o gesto do teu braço e cortou finalmente, de um só golpe brutal, a corda que me retia prisioneiro do Inverno. Libertaste-me finalmente para ti e para a Primavera que me trazias numa cesta decorada de margaridas. As luzes acenderam-se todas de seguida, no momento em que nos prendíamos num beijo tantas vezes imaginado, e a multidão, reaparecida do vazio, aplaudia-nos agora de pé enquanto nós, de mãos dadas, agradecíamos com vénias e sorrisos.
Depois disto tu e eu, exaustos, finalmente adormecemos na nossa cama desarrumada de lençóis azuis escuros para descansar depois de amor tão intenso, em busca de nova matéria de sonhos. Antes deitei ainda a minha mão ao chão para apanhar o meu travesseiro que tinha caído e desliguei o candeeiro pequeno, afastando na altura o desejo que sentia de fumar um cigarro lá fora, a olhar as estrelas de Março. E baixinho sussurrei: "Como te amo!"
(Fotografia: Paris, Dezembro de 2006 / Texto: Coimbra, 10 de Março de 2007)
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As luzes fortes estavam apontadas para nós, e centenas de pessoas olhavam-nos com a respiração suspensa à espera do momento final. Subitamente milhares de papeis coloridos soltaram-se do céu e choveram sobre nós, tambores fazendo-se ouvir, e a massa humana começou a gritar à medida em que erguias na mão direita um justo e reluzente punhal prateado. Ouviam-se palmas de toda a assistência e os cavalos, inquietos, erguiam-se sobre as patas traseiras. Nas jaulas os leões rugiam e moviam-se inconstantes junto às grades, de um lado para o outro. A chuva colorida cobria tudo isto por completo dando à arena um ambiente de festa geral. Palhaços giravam à nossa volta, lá em baixo, na terra, com sapatos enormes e narizes encarnados. E no meio de tudo isto, no exacto eixo da festa, o teu punhal de noite e lua desceu rápido na minha direcção.
Aí, nesse preciso instante, a multidão desapareceu e subitamente estávamos sós, no silêncio, sem luzes, sem confetti coloridos, sem festa... Só tu e eu. O tempo como que passou a existir de uma outra forma para ti e para mim. Vi ainda as jaulas abrirem-se e as feras saírem mansas para a arena, sem pressas, tudo terminado, já sem medo no olhar. Os cavalos acalmaram e olhavam para nós, à espera. E essa tua mão descia ainda na minha direcção, em câmara lenta, dando-me todo o tempo para sentir o teu cheiro a sândalo, para imaginar o teu sabor a montanhas e a neve, para me lembrar de tudo o que haviamos dito ao ouvido um do outro. E vi mais, vi os teus olhos grandes e escuros sorrirem para mim, e sorri-te de volta num gesto extremo de máxima paixão, de urgente súplica, com o brilho da faca já rente ao rosto que te fitava.
Nasceram então flores brancas e amarelas na arena no instante em que o teu punhal de lua cumpriu o gesto do teu braço e cortou finalmente, de um só golpe brutal, a corda que me retia prisioneiro do Inverno. Libertaste-me finalmente para ti e para a Primavera que me trazias numa cesta decorada de margaridas. As luzes acenderam-se todas de seguida, no momento em que nos prendíamos num beijo tantas vezes imaginado, e a multidão, reaparecida do vazio, aplaudia-nos agora de pé enquanto nós, de mãos dadas, agradecíamos com vénias e sorrisos.
Depois disto tu e eu, exaustos, finalmente adormecemos na nossa cama desarrumada de lençóis azuis escuros para descansar depois de amor tão intenso, em busca de nova matéria de sonhos. Antes deitei ainda a minha mão ao chão para apanhar o meu travesseiro que tinha caído e desliguei o candeeiro pequeno, afastando na altura o desejo que sentia de fumar um cigarro lá fora, a olhar as estrelas de Março. E baixinho sussurrei: "Como te amo!"
(Fotografia: Paris, Dezembro de 2006 / Texto: Coimbra, 10 de Março de 2007)
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Friday, March 02, 2007
At the end of it all
Each time I went away the world collapsed and came together all the same! And yet I loved you, as I went about the ruins in my way, even the one's I helped creating. Things were not easy, despite of what people used to think. Conditions sometimes were harsh, but still you made everything worthwhile with that smile of yours, with that way you had of reaching me as if urging me to touch you, as if I was the most precious element on earth. Here you have me, you used to wisper in my ear. Now I think of it I have to admit that at the end of it all this world is not so bad! Even if everything fails I’ll still can fool myself and dream of getting you back... or at least keep close the memory of those warm days I have held you in my arms for some moments, when you approached me from behind and caressed my bruised lonely soul with your tender sweet touch. Yes I'm still here! Yes I'm waiting still! But I just don't know anymore where to go, or what I'm waiting for. The only thing left for me to do now is remember, I think, because right at the end of it all we had each other and nothing, never, can take that away...
(Photography: Luanda, Angola, February 11th 2007 / Text: Coimbra, Portugal, March 2nd 2007)
(Photography: Luanda, Angola, February 11th 2007 / Text: Coimbra, Portugal, March 2nd 2007)
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