Tuesday, October 03, 2006

A menina da casa de sal

Era uma vez, há muito tempo atrás, uma menina que vivia numa praia distante e deserta, numa casa feita inteiramente de sal. Ela não tinha pai nem tinha mãe, nem sequer sabia muito bem como tinha ido ali parar ou quem era, mas era muito feliz e... muito bonita! Pelo menos todos os seus amigos assim achavam, e ficavam maravilhados com os seus profundos e grandes olhos azuis e os seus longos, ondulantes, cabelos verdes.

Por vezes, de noite, a menina dava maravilhosas festas na sua casa de sal, para as quais convidava todos os seus amigos, como os caranguejos, os golfinhos, as gaivotas, os búzios, e muitos muitos outros animais que vivem do mar. E então, bem, então a casa de sal, com as suas delicadas e translúcidas paredes de sal fino, tingia-se do vermelho das fogueiras que ardiam no seu interior. E de repente, por uma porta, entrava a menina com o seu longo vestido branco, da cor do vento. E todos ficavam maravilhados vendo-a entrar no salão onde o baile sempre se realizava, ao som da música dos búzios, com os seus cabelos verdes flutuantes e os seus mágicos olhos azuis, reflectindo no vestido as labaredas das fogueiras. E quando sorria... não só começava o baile mas todo o mundo se reinventava e renascia. Mesmo as constelações se recompunham no espaço, só para espreitar...

E eram muito animadas essas festas, e todos se sentiam muito felizes, dançando e olhando as estrelas, pois não havia tecto naquela casa, e sentindo a brisa nocturna que fazia tremeluzir fogueiras e velas, pois não haviam janelas ou portas naquele lugar. Dançavam e dançavam, sorriam, rodopiavam quase até ao nascer do dia, altura em que todos tinham de partir, com receio que os seres humanos os vissem por ali, mas só até que se realizasse uma outra festa.
Porém, certa tarde, levantou-se um temporal muito forte! Nunca antes se tinha visto uma coisa assim. Os ventos uivaram com fúria, choveu torrencialmente, tanto que o mar ficou mais vasto, e as ondas ergueram-se de forma assustadora! O mundo ficou então suspenso em silêncio. As gaivotas recolheram aos seus abrigos, os animais marinhos esconderam-se bem no fundo do oceano, e todos estavam muito preocupados com o que poderia estar a acontecer em terra à menina! Ao cair da noite, porém, a tempestade abrandou, e os seus amigos puderam então ir à praia ver se tinha sucedido alguma coisa. Todas as gaivotas do mundo e todos os seres marinhos rumaram àquele local, com os corações apertados, e ao chegarem o que viram foi desolador! A praia estava cheia de destroços trazidos pelo mar, e da casa de sal quase nada restava. Todos a procuraram pelas imediações, mas tirando o vestido branco da menina, que encontraram no areal preso a um galho, nunca mais nenhum deles a voltou a ver ou a ter notícias dela. Quando começou a ameaçar amanhecer regressaram todos ao mar e repararam então que este, outrora transparente, se tinha tingido de azul! Mais ainda, notaram que se tinha tornado salgado e que no cimo das ondas havia agora espuma, e que as algas, antes castanhas, se tinham tornado verdes!

Desde esse dia nunca mais os animais marinhos regressaram a terra. Apenas as gaivotas ainda acreditam, talvez porque não tivessem entendido.


(Fotografia: Quiaios – Portugal, 26 de Agosto de 2006 / Texto: Quiaios, Coimbra – Portugal, 26 a 31 de Agosto de 2006)

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