Friday, October 31, 2008
Depois de ti
(Para a minha princesa Lea Lipková)
Ter-te visto no aeroporto logo à chegada, ter-te dito algumas palavras incertas... Ambos estávamos cansados, mas ainda assim alguma fagulha incendiou uma pilha de lenha esquecida dentro de cada um de nós.
Ter feito aquela longa viagem pelo escuro, para aquele lugar desconhecido e longínquo, em silêncio, não sabendo sequer o que estaria à nossa espera no outro lado da noite.
Ter-te visto exausta à meia-noite naquela paragem para café no meio de bosques escuros, ouvindo sons de corujas e outras criaturas noctívagas. O vento gelado quase esculpia cicatrizes nos nossos rostos.
Ter-te visto ensonada na manhã seguinte, olhos pequeninos e tão verdes, a tua face ainda mostrando as cores quentes dos sonhos. Ter saído para o frio de novo, na cidade ex-soviética...
Termos começado a conversar após o jantar, termos bebido em demasia... Ter-te ouvido dizer que acordaste ouvindo alguém cantar no duche no quarto imediatamente acima do teu. Ter-me apercebido que era eu quem te acordara. Quem me dera cantar-te para sempre...
Ter tocado o teu cabelo pela primeira vez, madrugada dentro, gelados no jardim fronteiro à igreja, ter segurado na minha a tua pequenina mão quente. Ter sentido a humidade dos teus lábios, o aroma da tua respiração, o toque da tua língua, quando ambos estávamos tão longe, quando ambos estávamos tão incertos, quando ambos nos encontrávamos tão vivos...
Ter-te beijado. Ter-te beijado e ter sentido uma vez mais o meu coração enviar sangue de novo para as artérias, todo o meu ser funcionando na perfeição como a mais sofisticada peça de maquinaria. Ter sentido alegria, ali mesmo, na Europa de leste. Ter pressentido o teu corpo forçando lentamente caminho para o meu, e depois mais e mais... Queres entrar?
Ter sabido que não iria durar, ter tentado ficar apenas com o melhor daquilo que cada um dos dois tinha para oferecer ao outro... Termo-nos preparado para o adeus.
Ter desejado tanto que o tempo ficasse quieto por alguns momentos, dias, horas. Ter aceite tudo o que ele nos pudesse dar ao longo daquele período... Ter sentido os teus braços em volta do meu corpo na noite. Ter amado.
Ter feito a viagem de regresso em lugares separados, sonolentos e receosos das palavras. Ter-te levado ao aeroporto, ter estado ali à espera de um milagre que nunca viria. Teres de te ir embora e eu de te deixar ali com a tua bagagem...
Ter envolvido os teus ombros apenas mais uma vez, ter olhado para os teus olhos apenas mais uma vez, ter tocado nos teus cabelos... Ter desejado que ali estivéssemos apenas nós dois, ter-te dado um último beijo, breve, dorido. Ter-te dito algumas palavras órfãs e me dirigir para a saída para não mais olhar para ti. Ter perdido...
Não o trocava por nada deste mundo.
(Fotografia: Rézekne, Letónia, 28 de Setembro de 2008 / Texto: Tomar, Portugal, 12 de Outubro de 2008)
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