Vivi das palavras e para elas. Com as palavras construí cenários possíveis e impossíveis, ergui cidades, dei vida a seres que de outro modo não viveriam jamais. As palavras foram sempre o meu mundo, protegeram-me dando-me alternativas. Sempre que os meus olhos e ouvidos me revelavam uma realidade que não era exactamente o que dela eu esperava pegava na caneta e, movendo-a sobre papel, criava com as palavras uma outra opção possível. Enganando-me a mim mesmo tornava a vida viável. Hoje pergunto: que cidades, que estradas, que casas eu construí em tempos? Com que pedras ergui os meus muros?
Agora estou no olho de um furacão. Dei vida ao que não devia viver para além dos limites do racional. A meio do caminho perdi a minha razão, toda a lógica e propósito do que fazia, e sinto-me engolido pelo mundo e à beira de desistir de jogar com as palavras e com as ilusões que me trazem. Dei-lhes primazia quando deveria ter privilegiado o toque; deixei-as curar-me quando deveria ter deixado as feridas abertas por mais tempo às moscas e ao pó; sonhei com a ordem quando deveria ter acolhido o caos. Quero desistir delas e não sei bem como, mas sorrio ao pensar que quando os meus olhos se fecharem elas serão jogadas comigo à terra, e o que o homem semeou o homem sempre há-de colher.
(Fotografia: Pancorbo, Espanha - Abril de 2007/ Texto: Coimbra, Portugal – 2 de Maio de 2007)
© All rights reserved
Wednesday, May 02, 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
3 comments:
E com tuas palavras demonstras esse teu toque especial. Admiro-te imenso. E bebo cada palavra que escreves.
Um abraço forte.
Adorei vir aqui e recordar-te! Saudades ;)
Tu sabes que não vais desistir...
Tão pouco o queres...
Bonito...
Post a Comment