Friday, December 21, 2007

Linhas de espuma


Quando as pedras estalavam ao calor do meio dia em Agosto virei o corpo escaldante de lado e afastei o sol dos meus olhos cansados da noite, inventando-te ali, deitada lado a lado com o meu corpo naquela areia grossa e castanha. O teu corpo branco e inerte reflectia a luz do sol com uma intensidade quase insuportável. No teu sono tinhas uma mão pousada ao acaso sobre a minha perna direita. E aquele torpor que nos invadia, esmagando-nos no areal, transformou-se no próprio fruto da nossa familiaridade: o silêncio. Intimidade de dois corpos juntos na mesma viagem. Muito ao longe ouvia-se um som de cidade, um rugido de vida para além dos limites da nossa paixão.

Aqui nada mais é futuro.

Corri então uma mão tórrida ao longo de uma linha imaginária no teu pescoço e senti nos meus dedos a fragilidade concreta dos teus cabelos cheirando a sal e a fantasia. Despertei-te com o meu toque e chamaste-me para ti com o teu olhar, e então eu percebi quão desnecessárias foram sempre todas as palavras. O sol atordoava e os nossos lábios procuraram-se como se provassem cerejas fora de época, vendidas em pequenas e luxuosas caixinhas de madeira. A apenas ténue frescura que soprava vinda do oceano atirou uma madeixa do teu cabelo para cima do teu rosto, perfeito ao sol, e por detrás dela, como se escondida por trás de palmeiras antigas, os teus olhos falaram-me ao ouvido da tua sede de estar ali, longe de tudo e finalmente tão próxima de seres real.

Aqui nada mais é passado.

Os sons da cidade desapareceram então por completo e subitamente tudo o que se sentia era o mar, a brisa quente, as aves e o estalar constante das pedras ao calor da tarde em Agosto. Então ergueste-te, ficando sentada e inclinada sobre mim, e com os teus dedos em concha trouxeste sombra aos meus olhos para melhor entenderes de onde vieram todos os segredos que murmurei às tuas mãos, que caminhos fizemos nós para chegarmos aqui. Depois ausentaste-te fazendo com a ponta do indicador estranhos sinais no meu rosto. Ergui-me também, esperei que terminasses os teus ritos, e agarrei com delicadeza firme a totalidade do teu corpo.

Nada disto é real.

Tudo aqui é o mais verdadeiro possível. As nossas bocas tocaram-se de novo e os nossos lábios unidos arderam num beijo vindo das índias. Todo o meu corpo doía com a proximidade do teu, e sem nos darmos conta o horizonte tinha-se já erguido na tentativa de tocar o sol, de o seduzir. As pedras já não estalavam sob o calor e levantei-me por completo. Espreguicei-me. Sorrindo para mim deixaste-te puxar por uma mão seca para junto irmos provar a água. Seguimos abraçados desenhando pés solitários na areia húmida até à linha onde o atlântico permitiu que houvesse terra, e para essa terra olhámos uma vez mais antes de entrarmos de mãos dadas num mar que o sol poente transformou em ouro líquido. Com o mar pela cintura beijei-te, envolvendo o teu corpo nos meus braços, quando uma onda ligeiramente mais forte nos bateu e te desequilibrou. Sorriste-me sob os cabelos molhados e agarraste-me rindo às gargalhadas com esse teu sorriso largo de mil tiaras de pedras preciosas. E só então o sol desapareceu por completo, seduzido finalmente pelo horizonte que se ergueu para ele. Olhaste-me séria, apertando o teu corpo contra o meu, e beijaste-me como na primeira vez.

O que procuro em ti é esquecer-me de mim.

O mar, mansinho, recompôs então linhas de espuma na areia grossa. Pequenos caranguejos translúcidos correram aparentemente sem sentido na maré baixa, deixando para trás minúsculos buracos na areia onde a água do mar borbulhava por breves instantes. As nossas pegadas foram apagadas pela água e pelo vento. Mais acima, na areia seca, duas toalhas de praia colocadas lado a lado foram-se enchendo da areia trazida pelo vento mais forte que se ia levantando. Uma delas ergueu-se um pouco no vento para cair parcialmente sobre a outra. As folhas de um livro viravam-se rápidas e ao acaso.

(Fotografia: Mussulo, Angola, Agosto de 2007 / Texto: Porto, Portugal, 21 de Dezembro de 2007)

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Friday, December 14, 2007

Na tua ausência


Este sol tépido de Inverno aquece-me o rosto e arregaço as mangas da camisa para que ele acaricie também este braço com que te escrevo e o outro, que segura um pequeno bloco que comprei com a única intenção de nele escrever para ti neste dia.

Ontem ficou lá atrás, e apesar de ficar para sempre povoado de instantes de angústia e sofrimento ficará também como o dia no qual soube de que se trata quando se fala num beijo. Quando levei a mão ao puxador da porta do carro e me impediste de sair, e me puxaste para ti, senti a corda que sempre trouxe apertar-se em torno do pescoço. E tive medo. Mas fui, e quando os meus lábios tocaram os teus simplesmente parei de pensar. Tinha pensado e dito já tudo o que podia pensar ou dizer. Senti uma mão monstruosa revolvendo-me e rasgando-me o estômago, e a delicadeza dos teus lábios, a suavidade com que sofregamente procuraste os meus e os negaste ao mesmo tempo, a sensualidade quente com que os abriste aos primeiros sinais do meu beijo. E eu deixei as minhas mãos ao abandono sobre o teu cabelo sem fazer a menor ideia de como depois te acenar um adeus. E fui.

Passei depois horas tocando de leve nos meus lábios, procurando de novo a sensação daquele beijo, o seu gosto, e fechei os olhos para o reviver vezes sem fim até lhe arrancar todo o significado e o deixar vazio de todas as coisas.

E hoje, espanto! O dia acordou radioso! Um lindo sol de Inverno invadiu-me o quarto e banhou-me de calor mal as janelas foram abertas. E agora aqui estou, escrevendo-te no local onde me encontraste, onde sabes que sempre estarei mesmo quando estiver distante, sentindo o que sobra do calor deste sol até ao fim de mais um dia. Mas apesar do maravilhoso de tudo o que me circunda e do milagre de todas as coisas que existem à minha volta, nada preencherá nunca mais a tua ausência.

(Fotografia: Porto, Portugal, Setembro de 2007 / Texto: Porto, Portugal, 14 de Dezembro de 2007)

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Sunday, December 09, 2007

Sem limites

Fala ao teu filho de mim, como me disseste que fazias.
Conta-lhe quem eu sou,
Como eu sou,
O que faço
E tudo o que te fui dizendo.
Conta-lhe como não tenho limites,
Pois ao fazê-lo vais-te ouvir a ti mesma
E recordar para sempre
Todas as palavras preciosas que te entreguei
Em todos aqueles preciosos momentos
Que a vida nos deu ao acaso.
Talvez soem melhor ditas por ti.
Talvez assim eu não seja esquecido.

De todas as vezes que me perguntaste
Porque sinto o que digo sentir por ti,
Apenas consegui cair no rídiculo
De não te conseguir explicar
Aquilo que nem eu entendo.
E eu que achava que conseguia
Falar sobre todas as coisas!
Mas eu não tenho limites,
E vivo com uma intensidade
De exagero.
Lembras-te?
Mas nessa ausência de limites
Que dizes que tenho
Não esqueças de assinalar
Que só mesmo tu és o elemento
Em que esbarro a todos os instantes
Para onde quer que me vire!

Por tudo isto ouso pedir-te
(Ouso desejar em segredo)
Que me ensines a amar-te,
Que me ensines a nunca mais
Te perder.
Porque tudo o que me deres
Será sempre só teu,
Como já é.

(Texto: Coimbra, 9 de Dezembro de 2007)

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Wednesday, December 05, 2007

Tiny tears


Won’t bad things ever end? Won’t dreams ever leave me alone? I’m more tired every day. Whenever there’s a choice it seems I always choose the wrong one. Plus I always give up too easily, and always loose something along the way. Someone following me could easily find me by the tracks I leave above the ground; tiny tears along the way.

(Photography: Porto, Portugal, September 24th, 2007 / Text: Lisbon, Portugal, December 5th, 2007)

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Sunday, December 02, 2007

Dedicatória


Como podia eu saber do que sentia falta ao longo dos anos se não sabia quem eras? Como era possível eu pretender perceber o que se sente quando se ama se nunca me tinha visto reflectido no teu olhar? Se já o suspeitava agora sei! É possível amar-te, sim. É possível desejar pegar-te nas mãos e guardar-te para sempre. É possível desejar não mais partir para parte alguma onde não estejas. É possível desejar envolver-te a cintura nos braços e rodopiar lentamente até que outra manhã desponte. Fechar o corpo em concha para te protegar lá dentro, ouvindo a tua voz suave. E agora vou seguir em frente com a inquietude e desassossego que me ofereceste nesta noite de névoa, desejando sempre que nunca me esqueças.

Para a Daniela Dias

(Fotografia: Figueira da Foz, Portugal, 16 de Setembro de 2007 / Texto: Coimbra, Portugal, 2 de Dezembro de 2007)

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