São cinco da tarde de finais de um Novembro frio e cinzento na cidade do Porto. Ameaçou chover sem ter chovido, e passeio-me sem pressas pelas calçadas atapetadas de folhas mortas. O vento que sopra tráz um cheiro a maresia e eu fecho até cima o casaco e inspiro fundo, o que me faz arder as narinas. A esta hora já muitas pessoas vão largando os empregos e o trânsito mostra-se já vagaroso e impaciente junto ao Centro Português de Fotografia. Acendo um cigarro com as mãos geladas e espero um pouco, observando o movimento das gentes e deixando-me deslumbrar pelos reclamos luminosos das lojas e pela iluminação ainda ténue dos candeeiros públicos contra um céu de chumbo. Começaram já a colocar as iluminações de Natal ainda que não estejam acesas e reparo também nesse trabalho.
Já não tardará muito a chover mas, no entanto, sinto um desejo profundo de ir até à costa escutar as ondas e as aves… Levaria no mínimo meia hora, e para o vento que de certeza se faz sentir naquelas bandas não vim eu preparado com o respectivo cachecol. Sinto pena mas não vou. Apetecia-me, mas também me sinto bem aqui onde estou. Estou feliz! Mais tarde irei ao encontro de amigos para um agradável jantar, onde sei que me fartarei de rir e sorrir apesar dos meus silêncios. À medida em que os anos vão avançando, já vim a constatar, tendo-o até comentado com um amigo mais chegado, e apesar de ser cada vez mais invadido por sensações e opiniões que buscam desesperadamente o exterior, a verdade é que me exprimo com cada vez menor frequência. Por exemplo, a meio de uma troca de opniões entre várias pessoas muitas são as vezes em que calo o que estava prestes a dizer. No exacto momento em que o penso também logo ali se extinge o desejo. É quase como se cá dentro perguntassem: “Para quê? Que importa o que tens a dizer?” Normalmente mantenho-me em silêncio. Felizmente outros preenchem o vazio.
Este também sou eu, suponho. Se faz parte de mim tenho de aceitar. E se o que tinha a dizer era mesmo importante, por vezes sento-me e escrevo um pouco sobre isso dando-o depois a conhecer ao mundo. Por isso acho que o jantar com os amigos será um pouco silencioso para mim, dando-me tempo e espaço para aproveitar a sua companhia com uma alegria sincera que só eu conheço.
É Novembro e este vento frio no rosto e nos dedos faz-me arder os olhos mas faz-me também feliz! Pouco passa das cinco da tarde e para mim é como se fosse Natal já. Vou jantar entre amigos nesta noite ventosa em que ameaça chover, tudo tão diferente de Luanda, de onde vim faz pouco tempo, e também por isto me sinto abençoado. No fundo estarei aqui para sempre, bem como em todos os sítios onde sonhei sempre em estar. Queria ir até ao Castelo do Queijo passear no nevoeiro nocturno, fechar o meu casaco de cabedal e deixar transformar-se em couro a pele do rosto. Queria os olhos vermelhos a explodir do vento e da alegria que sinto por estar vivo e por estar aqui. Queria, mas não vou. Que figura faria a chegar de olhos vermelhos e inchados ao jantar! Fica para depois, para outro dia talvez… Poderiam pensar que chorava, quando me sinto tão feliz que nem sei mais explicar!
Onde estou eu? Por vezes duvido que saiba! Sempre estive nos lugares amando-os, mas também sentindo outras ausências, ausências de outros lugares. Muitas vezes estive em vários ao mesmo tempo. Talvez também por isso os silêncios, para me darem tempo a mim de conversar com outros interlocutores! Talvez também por isso nunca me entregue inteiramente, talvez. Mas hoje, hoje irei jantar com amigos, e apesar das ausências desejo conseguir agir por forma a que todos sem excepção saibam bem o quanto significam para mim. Hoje erguerei o meu copo num brinde a cada um deles, para que nos revejamos sempre aqui ou em outro qualquer lugar, pois que qualquer lugar é perfeito para sermos felizes.
(Fotografia: Luanda – Angola, 22 de Agosto de 2007 / Texto: Luanda – Angola, 25 de Agosto de 2007)
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