Foi como se me tivesse atirado num impulso de um palco para uma multidão de fãs, e centenas de mãos me amparassem a queda e me passassem de umas às outras fazendo o meu corpo viajar rápido e nele deixando a humidade e o cheiro dessas mesmas mãos, desses mesmos corpos. Foi como se viajasse num curso de água sereno que de repente desaguasse num rio turbulento. Depois do medo veio um prazer imenso! O enjoo rapidamente dando lugar ao inebriamento dos sentidos embriaguei-me daqueles cheiros, daqueles sabores, e desejei que a minha pele não mais se descolasse de outras peles encostadas na minha, que os meus pés descalços não mais fossem lavados do pó vermelho, que dos meus bolsos não mais fosse tirada a areia que no Sangano os invadiu. De manhã olhava Luanda na bruma quente, de cuca na mão, incerto, e logo os belíssimos pregões das vendedoras de peixe me chamavam o olhar para baixo, para a rua, e me faziam desejar comprar cacusso ainda sem saber se queria realmente fazê-lo. Depois do medo veio esse prazer imenso! E nas ruas onde tudo se encontra a vontade de não querer encontrar nada mais do que o que se tem, e a paz dessa constatação, olhando os passos lentos sob o calor abrasador das ruas sem sombra. E o que comi, e o que bebi na terra: uma outra realidade a construir-se no meu corpo com o que me dava a provar, outros povos a crescerem dentro de mim na forma como por mim passavam na rua, e falavam, e se mexiam, e se vestiam e me sorriam. Angola impõe-se, e a mão de que pensei querer escapar desejo agora que se feche sobre mim em definitivo para que não mais ouse desejar a liberdade de partir dali para outro lugar qualquer.
(Fotografia: Luanda, Janeiro de 2007 / Texto: Coimbra, Fevereiro de 2007)
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Tuesday, February 20, 2007
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